Dois estudos publicados hoje questionam o conceito já cristalizado de
que gordura extra é sempre sinal de maior risco para a saúde.
O fenômeno é chamado pelos pesquisadores de paradoxo da obesidade: em
certos casos, os quilos além da conta não indicam perigo e podem até ser
protetores.
A primeira pesquisa analisou dados de 43 mil americanos divididos em
grupos conforme o nível de obesidade e os resultados em testes de
colesterol, pressão arterial e condicionamento físico.
Após um acompanhamento de cerca de 14 anos, os médicos, liderados por
Francisco Ortega, da Universidade de Granada (Espanha), perceberam que
os obesos considerados saudáveis após os exames tiveram um risco 38%
menor do que os não saudáveis de morrer por qualquer causa. A redução de
morte por problema cardíaco ou câncer foi de 30% a 50%.
O desempenho desses gordos "em forma" ao longo do tempo foi similar ao
dos magros saudáveis, segundo o estudo, publicado hoje no "European
Heart Journal".
Outro trabalho, na mesma edição da revista especializada, analisou, por
três anos, a mortalidade de 64 mil suecos com problemas cardíacos (como
angina e infarto) submetidos a um exame de imagem para determinar a
saúde de suas artérias coronárias.
Os pacientes foram subdivididos de acordo com seu IMC (índice de massa
corporal, calculado dividindo o peso em quilos pela altura ao quadrado,
em metros).
O gráfico de mortalidade ficou em forma de "U": quem estava nos extremos
(muito magros ou obesos mórbidos) tinha risco mais alto de morrer do
que paciente intermediários, com sobrepeso ou obesidade moderada.
De acordo com o cardiologista Eduardo Gomes Lima, do Hospital 9 de
Julho, esses achados propõem um questionamento ao uso do índice de massa
corporal como método para avaliar obesidade.
"Dizer que um IMC a partir de 30 significa obesidade é suficiente? Nessa
população vai ter obeso de verdade, mas também uma população com boa
condição física, com muita massa magra. Não dá para colocar o IMC como
grande definidor de prognóstico dos pacientes."
A pesquisa que acompanhou os americanos credita o melhor condicionamento
físico dos obesos saudáveis como responsável pelo menor risco de morte
observado nesse grupo em relação aos não saudáveis.
De acordo com o cardiologista Raul Santos, diretor da unidade de lípides
do Incor (Instituto do Coração do HC de São Paulo), os exercícios
reduzem o impacto dos efeitos prejudiciais da gordura.
"O exercício tem ação anticoagulante, ajuda a dilatação dos vasos e
melhora a resistência à insulina, tendo um efeito contrário ao da
obesidade. É melhor ser um obeso que se exercita do que um magro
sedentário."
Para Santos, no caso do estudo com cardíacos, o efeito protetor
conferido aos obesos moderados é mais difícil de explicar. Uma
possibilidade é a de esse grupo ter pessoas com menos gordura abdominal,
que produz substâncias inflamatórias e é um conhecido fator de risco
cardíaco.
"Recomendamos a quem tem problema cardíaco perder peso, especialmente se
a pessoa for barriguda."
Lima afirma que não se deve ficar com a impressão de que a obesidade não
tem consequências. "A obesidade mórbida sempre está associada a um
prognóstico pior."
Para ele, o importante é a necessidade de redefinir os limites da
obesidade. "Talvez a gente esteja sendo muito rígido nessa avaliação."
Fonte: Folha
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